O jornalista Batista Custódio dos Santos morreu na sexta-feira, 24, aos 88 anos (faria 89 em abril). Ele tinha câncer. No lugar de um obituário tradicional, vou contar, em dropes, algumas histórias a respeito do empresário — que sempre se considerou mais jornalista do que empresário (e, de fato, seus jornais sempre foram mal administrados) — que editou o “Cinco de Março” e o “Diário da Manhã”.

1

Cinco de Março

A sociedade temia o “Cinco de Março. Dizia-que, às segundas-feiras, Goiânia (e talvez Goiás) tremia quando começava a circular. O jornal era disputado nas bancas. Era um misto de jornalismo investigativo e sensacionalismo, de agressividade ímpar.

O “Cinco de Março” contava com uma redação talentosa. Dizia-se que Consuelo Nasser copidescava tudo — até o francês Flaubert, autor de “Madame Bovary”. A jornalista, que havia estudado Direito no Rio de Janeiro e era leitora devota de Dostoiévski, era uma editora de primeira linha.

Durante anos dizia-se que Consuelo Nasser escrevia artigos para Batista Custódio assinar. Nada mais falso. Ela podia até fazer a revisão dos textos, mas ele escrevia — e bem. Eu mesmo revisei vários artigos do articulista — todos bem-formados e bem-escritos.

2

Diário da Manhã

O nascimento do “Diário da Manhã” aposentou o “Cinco de Março”, que ficara no passado. Os tempos modernos exigiam outro tipo de jornalismo, (mais) fiel aos fatos.

O “DM” era o oposto do “Cinco de Março”. Era semelhante ao concorrente “O Popular”, porém com pegada mais crítica.

3

Consuelo Nasser

Consuelo Nasser era o braço direito de Batista Custódio. Ela escrevia artigos, pautava e copidescava o material dos repórteres. Depois da crise do jornal, na primeira metade da década de 1980, o casamento entrou em crise e cada um foi para seu lado.

Feminista na prática, Consuelo Nasser criou o Centro de Valorização da Mulher (Cevam). Ela dizia que, com o Cevam, descobriu que mulheres das classes média e alta apanhavam dos maridos e, por receio de escândalo, não os denunciavam.

Ela vivia uma relação de amor e ódio com Batista Custódio. Se criticavam, mas se respeitavam. Eram pais de Fábio Nasser. Júlio Nasser, filho de Consuelo Nasser, foi adotado por Batista Custódio (Júlio, sempre educado e diplomático, e Batista Custódio sempre se deram muito bem).

Fábio Nasser e Consuelo Nasser se mataram.

4

Para fazer o “Diário da Manhã”, Batista Custódio contou, inicialmente, com mão de obra local — jornalistas de primeira linha como Hélio Rocha, Javier Godinho, Djalba Lima, Marco Antônio da Silva Lemos, Fleurymar de Souza, Abadia Lima, Lorimá Dionízio (Mazinho), Luiz Carlos Bordoni, Carlos Honorato, Jayro Rodrigues, Lisa França, entre vários outros.

Em seguida, depois de consultar Mino Carta e Claudio Abramo, Batista Custódio contratou Washington Novaes, que havia trabalhado em vários jornais do Rio de Janeiro e São Paulo e na TV Globo.

Washington Novaes era um profissional de primeira linha e foi, de fato, uma grande contratação. O jornalista, com o apoio da equipe local — que era de alta qualidade — e dos chamados “estrangeiros”, criou um grande jornal, que chegou a repercutir no país.

Entre os jornalistas que vieram para Goiás estavam Reynaldo Jardim (o jornalista e poeta que reinventou, ao lado de Janio de Freitas, o “Jornal do Brasil”), Marco Antônio Coelho, Pindé (José Antônio Menezes) e Aloizio Biondi. Janio de Freitas, Mino Carta e José Guilherme Merquior escreviam artigos exclusivos para o jornal.

O “DM” passou a ter forte ligação com a sociedade, sobretudo com representantes populares dos bairros, por intermédio de um conselho. Até nisso o jornal era moderno.

5

Por que o “Diário da Manhã” fechou as portas? Trabalhei lá de 1987 a 1993 e ouvi várias histórias. A dominante é: o jornal decidiu criticar Iris Rezende, eleito governador em 1982 e tendo assumido em 1983, e deu-se mal.

Na versão divulgada na redação por Batista Custódio, Iris Rezende, como governador, teria promovido uma perseguição implacável ao jornal. Se um empresário anunciava em suas páginas, era, na versão do criador do jornal, perseguido e auditores fiscais eram enviados para vasculhar suas contas.

Relatava-se, na redação, que alguns empresários repassavam dinheiro e pediam para o anúncio não sair.

Jornalistas que trabalharam na empresa apontam que a história da perseguição de Iris Rezende é verdadeira. Mas adicionam a informação de que havia um caos administrativo-financeiro (“gastava-se de maneira desmedida e mal”, me disse um ex-editor). A redação era tida como muito dispendiosa e, como havia uma fartura de recursos — proporcionados pelo governo de Ary Valadão —, os gestores não se preocuparam com qualquer enxugamento.

Batista Custódio e Consuelo Nasser era mais jornalistas do que empresários. No momento necessário “faltou” empresa para sustentar o jornal, que, naquela época, era excelente.

6

Batista Custódio não era um grande leitor de obras cruciais, mas absorvia bem o que lia ou ouvia (Conselho Nasser disse ao Jornal Opção que chegava a gravar fitas para ele ouvir). É provável que não tenha lido Proust, James Joyce e Samuel Beckett. Apreciava o romântico Castro Alves. Era muito atarefado, vivia para o jornalismo. Seu lazer era frequentar a fazenda de Baliza, às margens do Rio Araguaia. De lá voltava revigorado.

Se não era um intelectual refinado, Batista Custódio era um homem inteligente e sabia tudo de jornalismo. Gostava de jornalismo. Comia e bebia jornalismo.

O jornalista não era politicamente correto, mas mantinha uma convivência estreita com os jornalistas. Era tipo Roberto Marinho — fazia amizade com os repórteres e editores.

Apreciava bons jornalistas, sobretudo os que escreviam bem e pensavam, e os contratava. Mas se considerava “o” jornalista. Um par? Talvez Carlos Lacerda (que o influenciou na arte de ser polemista destemido) e Alfredo Nasser (tio de Consuelo Nasser).

7

O jornalista de política às vezes precisa raciocinar como políticos para entendê-los. Batista Custódio se preocupava em entender como o político pensava. Às vezes dava conselhos aos políticos e, eventualmente, era ouvido (dizem que políticos ouvem apenas suas próprias vozes, sobretudo depois de ano de poder). Conselhos que ele, muitas vezes, não seguia. Conviveu com gerações de governadores, como Mauro Borges (a respeito do qual tinha reservas graves), Otávio Lage, Leonino Caiado, Irapuan Costa Junior (dizia: “É um dos poucos políticos que realmente leem e pensam”), Ary Valadão (talvez o governador com quem melhor se relacionou), Iris Rezende (a relação começou boa e se deteriorou; no final, eram inimigos cordiais, se se pode dizer assim), Henrique Santillo, Marconi Perillo, Alcides Rodrigues e Ronaldo Caiado (de quem gostava, sobretudo pela lealdade e pela decência. Na década de 1980, o hoje governador ajudou muito o jornal).