Brasília, 01/10/2024

Brasília, 01/10/2024

Jornalista “pau-e-corda”

 Renato Riella

Paulinho Pestana me demoliu por dentro. Partiu de repente neste domingo, vitimado por dengue galopante, relâmpago. Uma dengue fatal nunca vista.

Sou inabalável. Na prática, havia chorado pela última vez em 1984, quando cheguei ao local onde o famoso Mário Eugênio estava morto, com a cabeça estourada por bandidos da segurança do DF.

Mas nesta segunda-feira, muito cedo, quando recebi alguns informes sobre a morte de Paulo Pestana, disse pra mim muitas vezes: “É fake! Claro que é fake!”

Apenas quando falei com Welligton Moraes desabei…

E chorei mais do que no dia de Mário Eugênio, quando tive de ficar forte para redigir a notícia na madrugada.

Sobre a morte de Paulo Pestana, não conseguia acreditar. Horas antes, passei três mensagens sobre política, que Paulinho abriu no What e leu. Já estava sentindo sintomas, mas permanecia ligado, trabalhando no domingo.

Prefiro não falar dos últimos cinco anos de trabalho, quando convivemos diariamente, apoiando o político Ibaneis Rocha na sua ascensão. Vou recuar à década de 80.

Naquela época, Paulinho foi editor do poderoso Caderno de Cultura do Correio Braziliense…e o jornal era um dos veículos mais expressivos do Brasil, maior do que a Globo em Brasília.

Paulo Pestana liderava uma equipe de missionários da Cultura, que tinha gente como Maria do Rosário Caetano (cinema) e Irlam Rocha Lima (música), entre muitos outros. Eles descobriram valores artísticos de diversas áreas, que explodiram no Brasil.

Só pra citar alguns, naquela época estavam buscando espaço em Brasília gênios como Renato Russo, Cássia Eller, Capital Inicial, etc.

A redação do Correio era chefiada irmamente por Fernando Lemos e Renato Riella. Foi a redação mais democrática do mundo.

Ronaldo Junqueira, o diretor do jornal, focado em resultados (publicidade e venda de jornal), tratava Paulinho Pestana e seu grupo com ironia.

Dizia que era a turma do “pau-e-corda”, material que compunha uma guitarra.

Mas a nossa liberdade era total. Resolvemos tirar o pessoal da Cultura do espaço comum de todas as editorias. Levamos o “pau-e-corda” para uma ampla sala fora do prédio central, onde todas as maluquices podiam ser feitas livremente.

Demos profundo apoio a todas as formas de Cultura, arrastados por Paulo Pestana, que transformou o Caderno de Cultura num jornal à parte, muito forte.

Recentemente, encontrei o poeta Nicholas Behr numa recepção de embaixada. Fomos apresentados. Ele disse: “Sei bem quem é você”.

Contou, então, que muito antes fazia poesias impressas em mimeógrafo, para vender em bares. Foi descoberto por nós, do Correio Braziliense. Nicolas me agradeceu por esse apoio no início de carreira. Pensei: “Foi coisa de Paulinho Pestana, o pau-e-corda”.

Festival de Cinema também era dominado pelo Caderno de Cultura do Correio.

Lembro da Cristina Roberto, hoje famosa dona de buffet em Brasília. Novinha, lindinha, ela nos pediu licença para vender pizza natural à noite, na redação, concorrendo com a cantina do Osmar (hoje dono também de grande buffet).

Um dia, o pessoal da Cultura nos informou que Cristina estava abrindo na Asa Norte um bar chamado Bom Demais. Autorizamos que ela tivesse amplo apoio no jornal.

E o Bom Demais virou uma extensão do Caderno de Cultura do Correio. Cássia Eller cansou de cantar por lá.

Este texto ficou grande demais. Mas fico feliz de mostrar essa fase histórica de Paulo Pestana, o “pau-e-corda” que não tocava uma nota, mas fazia harmonia.

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