O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realizou nesta quinta-feira (31), no Palácio do Planalto, uma reunião para apresentar a governadores a proposta que amplia a atuação da União nas ações de segurança pública. Durante discurso, o petista defendeu um “pacto” entre os governos federal, estaduais e municipais para o combate ao crime organizado. Informações de Guilherme Mazui, Pedro Henrique Gomes, Luiz Felipe Barbiéri, Gustavo Garcia, G1
“Logo, logo, o crime organizado vai estar participando de concurso, indicando juiz, procurador, político, indicando candidato. E essa é uma coisa que é quase incontrolável, se a gente não montar um pacto federativo que envolva todos os poderes, que estão envolvidos direta e indiretamente nisso”, afirmou Lula.
Na avaliação do petista, a criminalidade organizada está “crescendo”, dentro e fora das cadeias.
“A gente vê, de vez em quando, falar do Comando Vermelho, do PCC. E eles estão em quase todos os estados, disputando eleições e elegendo vereadores. E, quem sabe, indicando pessoas para utilizar cargos importantes nas instituições brasileiras”, declarou o presidente.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o crime organizado ganha “contornos” de máfia no Brasil, com atuação na “economia real”.
Costa afirmou que é preciso manter o diálogo com os estados para identificar o que precisa ser modificado na legislação e “encontrar soluções concretas” no setor.
‘Mudanças estruturais’
O governo planeja promover as alterações na segurança por meio de uma proposta da emenda à Constituição (PEC), que será enviada para análise do Congresso Nacional.
O texto foi elaborado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que explicou aos governadores os detalhes da proposta.
Lewandowski afirmou que é preciso realizar e “mudanças estruturais” na área porque o desenho estabelecido pela Constituição de 1988 “está absolutamente superado pela dinâmica da criminalidade”, que deixou de ser local para ser nacional e transnacional.
Atualmente, o governo federal é responsável por ações de defesa nacional (Forças Armadas), enquanto a maior parte das atribuições de segurança cabe aos governos estaduais com suas polícias civis e militares.
O presidente da República deseja ampliar a participação da União. A intenção do governo é integrar as polícias, reforçar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e aumentar as responsabilidades da União.
Além disso, o governo propõe criar uma nova polícia comandada pela União – com mais poderes de policiamento ostensivo – a partir da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Isso seria feito sem a criação de cargos públicos.
Lula convidou governadores, secretários de segurança e autoridades do Congresso e do Judiciário para ouvir opiniões a respeito da proposta. O objetivo é fechar um texto com o maior apoio possível dos estados, com condições de ser aprovado pelo Legislativo.
Principais pontos da PEC
As principais medidas previstas na PEC da Segurança Pública incluem:
- Status Constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) – A PEC propõe a inclusão do SUSP na Constituição, dando-lhe mais força;
- Competências da União – A PEC confere à União a competência para definir diretrizes gerais da política de segurança pública e defesa social, que abrangerá também o sistema penitenciário. Isso será feito ouvindo os entes federados, para estabelecer políticas unificadas.
- Atualização das Competências da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) – A proposta define que a PF deve combater crimes ambientais, de organizações criminosas e milícias com repercussão interestadual ou internacional. A PRF, por sua vez, passa a atuar também em ferrovias e hidrovias federais.
- Padronização de Protocolos e Informações – A PEC busca padronizar boletins de ocorrência, mandados de prisão e certidões de antecedentes criminais, similar ao que ocorre no SUS e na Educação, estabelecendo uma linguagem unificada entre as forças policiais.
- Constitucionalização do Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária – Esse fundo será garantido por recursos não contingenciáveis, para apoiar projetos e ações em conformidade com a política nacional de segurança pública e defesa social.
A Polícia Federal funcionaria como polícia judiciária, com atuação contra crimes ambientais, e contra crimes de repercussão interestadual e internacional praticados por organizações criminosas e milícias privadas.
A polícia criada a partir da PRF funcionaria como polícia ostensiva, realizando o policiamento de rodovias, ferrovias e hidrovias federais. Essa nova polícia também deverá prestar auxílio às forças de segurança de estados e municípios quando solicitado pelos governos locais.
‘Iniciativa é bem-vinda’, diz Tarcísio
Após a reunião, Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, defendeu que a proposta do governo é ‘bem-vinda’ e que a iniciativa de integrar é importante.
No entanto, reiterou a importância de dar um “tratamento diferenciado para quem compõe organização criminosa”.
“Não é um produto pronto. A gente teve um primeiro contato com texto agora. Tem outras questões que temos que trabalhar”, ponderou. “Os governadores vão ter a possibilidade de apresentar as proposições para encaminharem não só uma PEC, mas um pacote ao Congresso”.
Durante o encontro, o governador de SP já havia adiantado algumas críticas. Ele disse que o debate sobre segurança pública não pode ficar restrito à PEC apresentada pelo governo Lula. Também propôs a criação de um grupo de trabalho para formulação de uma “série de propostas” para o setor.
Oposicionistas criticam eventual ‘retirada’ de prerrogativas
Governadores de partidos que fazem oposição a Lula resistem à ideia apresentada pelo governo federal e dizem que é “inadmissível” qualquer medida que retire poder dos estados sobre suas polícias.
“Inadmissível qualquer invasão nas posições que os estados têm em termos de poder da sua polícia civil, militar e penal, que realmente são as estruturas que sustentam a segurança nesse país, com total parceria com a PF e a PRF”, afirmou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).
No encontro com Lula, Caiado disse que o governo federal deve servir de apoio para os estados e não ditar regras para os governos locais. “É uma inversão completa, partindo de uma premissa totalmente errada”, disse.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), criticou o fato de os governadores chegarem à reunião sem terem recebido a proposta antecipadamente.
“A gente entra na reunião cego, sem saber o que vai vir de texto. Tem que entender na prática o que vai mudar na nossa vida”, declarou.
Em entrevista, Castro defendeu a retirada das despesas com segurança pública das regras que limitam gastos da União.
“Tem a questão de tirar o gasto de segurança pública da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e do teto, já que essa é a principal pauta do Brasil hoje. Não tem porque a gente ter limite de gastos na LRF e no teto e, no nosso caso, temos o regime de recuperação fiscal”, declarou.
Importante a União ser mais ‘atuante’, defende aliado
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), afirmou que é favorável aos conceitos gerais da proposta, mas aguarda detalhes o texto.
Casagrande, que é um aliado de Lula, avalia que é importante o governo federal ser mais “atuante” na área.
“Constitucionalizar o sistema único de segurança pública, integras ações, a gente fortalecer o trabalho de inteligência, padronizar procedimentos, documentos, softwares, isso tudo pode e vai ajudar com certeza a enfrentar os criminosos”, afirmou.