O governo federal deve anunciar até o fim da semana novas medidas para reduzir gastos públicos e atender a meta fiscal. As medidas são definidas pelo presidente Lula com a equipe econômica do governo e demais ministérios, já que alguns podem ser mais atingidos do que outros.
Uma série de reuniões foram feitas entre esta segunda (4) e terça-feira (5). Já nesta quarta (6), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou que foram concluídas todas as conversas sobre o assunto. Os detalhes das propostas podem ser divulgados a qualquer momento. Segundo Haddad, há consenso entre os ministros sobre o cumprimento de regras fiscais.
“Temos, na verdade, enorme carência de gasto público, de programa social, de investimento público para superar os enormes desafios que nós temos em diversas áreas. O que nós precisamos do nosso país é um plano mais robusto de programa social e de investimento público para fazer com que o país cresça ao mesmo tempo em que ele reduz a desigualdade”, explica Santos.
O especialista conta que a força do mercado financeiro, aliada à cobertura de veículos da considerada mídia hegemônica, faz o governo se movimentar conforme seus interesses por causa de especulações feitas, por exemplo, contra a moeda brasileira.
Apesar de possível exagero na preocupação do mercado, Diogo explica a regra nova de arcabouço fiscal que realmente precisa ser cumprida e a dificuldade do governo em cumpri-la também devido aos gastos mínimos em algumas áreas, estabelecidos na Constituição.
Brasil de Fato: A cobertura da imprensa hegemônica reforça muito a necessidade de equilibrar as contas do governo. Deixando o alarmismo de lado, há hoje no Brasil um problema de gastos públicos excessivos?
Diogo Santos: Bom, não. O que nós temos no Brasil, na verdade, é uma enorme carência de gasto público, de programa social, de investimento público para superar os enormes desafios que nós temos em diversas áreas. O que nós precisamos do nosso país é um plano mais robusto de programa social e de investimento público para fazer com que o país cresça ao mesmo tempo em que ele reduz a desigualdade, distribua renda e a gente tenha um país mais harmonioso que fortaleça, sobretudo, o regime democrático.
Uma economia que não vai bem enfraquece a democracia. Por isso, é tão importante a ação do Estado para garantir que os benefícios do crescimento econômico cheguem até os mais pobres. A questão é que o debate, neste momento, no Brasil é um debate de rumo mais de fundo, em que os setores, sobretudo ligados ao mercado financeiro, buscam permanentemente impor um tipo de regime econômico, de formação da política econômica no país, em que seus interesses sejam os primeiros a serem garantidos. Esse é o pano de fundo dessa discussão.
E como eles têm uma força muito grande, uma força na mídia hegemônica, mas uma força real também econômica, afetam os juros, afetam a taxa de câmbio, conseguem impor ao governo certos constrangimentos. O governo precisa, de algum modo, fazer com que esses interesses também se reflitam na sua agenda. É preciso também agir desse outro lado. É preciso que o governo sinalize que também vai fazer aquilo que é necessário, sobretudo para o desenvolvimento econômico.
Primeiro, o mercado financeiro tem esse poder de pressão porque é uma peça chave do sistema econômico. Pela movimentação de recursos, o mercado financeiro consegue, por exemplo, fazer especulações contra a moeda brasileira, consegue elevar a taxa de juros que é cobrada das empresas, das famílias, das pessoas que querem pegar empréstimo – e isso afeta profundamente a economia.
Uma taxa de câmbio que fica variando muito ou fica muito desvalorizada como está agora pode gerar um aumento de custos de produção nas empresas e, portanto, gerar inflação. E a inflação, a gente sabe, tem um impacto muito negativo na popularidade dos governos. Então, eles têm esse poder que vem também de um regime de um mercado cambial que é muito desregulado, de uma meta de inflação que é muito baixa e inadequada para as características do Brasil. Foi uma conquista do mercado financeiro lá ainda nos governos pós-golpe, quando reduziram a meta de inflação e o Banco Central é autônomo. Isso tudo conforma um cenário de muito poder para esse setor econômico.
Agora, o interesse deles é que eles tenham total garantia de que aquela riqueza, a riqueza mais importante do país, que é o dinheiro público, esteja garantido para que o Estado pague o que é devido em forma de pagamento de juros dos títulos públicos para o mercado financeiro. Esses títulos públicos são o colchão. Vamos imaginar que o mercado financeiro é um grupo, uma quantidade de gente que está em especulação permanente. Ele tem uma rede de proteção. Qual é essa rede de proteção contra a especulação? É o dinheiro público. Então eles querem garantia total de que o Estado fará tudo para que essa rede de proteção permita que eles possam especular livremente.
O governo federal já havia oficializado e detalhado, em setembro, um bloqueio de mais de R$ 13 bilhões no Orçamento de 2024 para cumprir regras fiscais. Essa medida apenas não foi suficiente neste ano?
Não, porque o que se trata é o seguinte: tem uma regra fiscal nova, que é o novo arcabouço fiscal. Essa regra tem uma meta que deve ser cumprida, de quanto que o governo federal vai gastar diante de tudo o que ele vai arrecadar, o que nós chamamos de superávit primário. É simplesmente essa diferença entre tudo o que o governo arrecada e tudo o que ele gasta com programas reais e a finalidade do governo.
E para manter, atingir essas metas não só esse ano, mas nos próximos anos, é preciso fazer com que se compatibilize a receita e a despesa. E existem algumas despesas, sobretudo com saúde, educação, que o gasto com elas tem um mínimo estabelecido na Constituição. E é justamente esse mínimo e outras questões que estão estabelecidas na Constituição que fazem com que o gasto público cresça ano após ano. É sobre esses gastos que o mercado financeiro tem mais interesse que o governo busque mudar as regras.
No fundo, o que o mercado financeiro espera que o governo faça nos próximos dias é um anúncio de redução do gasto com saúde, educação e também em gastos como seguro desemprego, abono salarial… Porque o governo já disse, até então neste momento, que está fora de questão qualquer desvinculação entre aumento de aposentadoria, aumento do BPC com o salário mínimo. Ou seja, nisso o governo disse que não vai abrir mão. As aposentadorias continuariam reajustadas pelo salário mínimo. Mas nessas outras áreas, como saúde, educação e seguro desemprego, o governo aparentemente vai apresentar alguma proposta que reduza o acesso a esses direitos e serviços para garantir uma economia de recursos.
Você pode assistir a entrevista completa com Diogo Santos na edição desta terça-feira (05) do Central do Brasil, no canal do Brasil de Fato no YouTube.