Lorenzo Santiago – Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
“A Constituição venezuelana só permite um presidente. Eu vou assumir o cargo em 10 de janeiro. Haverá negociações prévias que permitirão, se Deus quiser, uma transição ordenada. Poderia haver coexistência em solo venezuelano. Haverá uma transição onde as bases populares e o chavismo poderão ter um espaço. O chavismo é uma força política que permanecerá no país”, disse.
O texto teria sido assinado pelo ex-embaixador em um encontro com o presidente da Assembleia e a vice-presidente, Delcy Rodríguez, enquanto ele estava refugiado voluntariamente na embaixada da Espanha em Caracas.
Mais confusão?
A posse de Nicolás Maduro para o terceiro mandato está marcada para 10 de janeiro. Para a oposição, no entanto, há a expectativa de que os dias seguintes repitam o roteiro não só das eleições de 28 de julho, mas também as de 2014 e 2017, quando grupos ligados à direita organizaram protestos violentos para exigir a derrubada do governo. Essa intenção ganhou eco na fala de Edmundo e no reconhecimento da vitória do candidato da Plataforma Unitária pelos Estados Unidos.
O governo nega que haja essa articulação e garante que o “clima de paz” vivido hoje nas ruas da Venezuela deve se perpetuar mesmo depois da posse. Uma ala, inclusive, questiona se Edmundo vai tentar mesmo voltar ao país depois da pouca atuação nas eleições e nas manifestações violentas posteriores ao pleito.
Naquele momento, Edmundo e a ultraliberal María Corina Machado não reconheceram o resultado do pleito, afirmaram ter recolhido mais de 80% das cópias das atas eleitorais e que a soma desses documentos garantiria a vitória de Edmundo. Depois, opositores foram às ruas em um movimento que teve como resultado a depredação de prédios públicos e promoveu incêndios na cidade.
No discurso, o governo mantém a postura de que a oposição perdeu a capacidade de articulação e que o clima é de tranquilidade para a posse. Mas internamente, a cúpula chavista já discutiu diferentes cenários e diz estar preparada para “qualquer situação”. Exemplo disso são os exercícios militares realizados no país chamados de Escudo Bolivariano, que incluem operações de desmantelamento de grupos criminosos.
O ex-diplomata e analista internacional venezuelano, Sergio Rodríguez Gelfenstein, disse que é possível que haja confrontos na fronteira com a Colômbia.
A reportagem do Brasil de Fato ouviu de pessoas ligadas às Forças Armadas que algumas alas militares fazem a avaliação de que há um preparo para diferentes possibilidades. A percepção é de que todos os contextos foram desenhados e de que, comparado a outros anos, há uma estrutura melhor e uma estratégia mais bem definida.
O próprio Palácio Miraflores – sede do governo – tem denunciado reiteradamente ações e articulações golpistas, organizadas tanto dentro quanto fora da Venezuela. Segundo o governo, os planos incluem ataques a setores estratégicos do país, recrutamento de mercenários e até planos de matar Maduro e representantes do governo. A última dessas operações foi denunciada na sábado (23) pelo ministro da Justiça e do Interior, Diosdado Cabello, e tinha o objetivo justamente de desestabilizar o país durante a posse presidencial.
Chamado de “Nâo ao Natal”, o plano golpista incluiria funcionários públicos, paramilitares e empresários que financiariam as operações no estado de Zulia. O objetivo era preparar as ações para o 10 de janeiro. Uma das lideranças denunciada pelo governo seria María Corina Machado. Mas a localização da ultraliberal ainda é desconhecida por opositores e governistas.
Depois de mobilizar a oposição de extrema direita durante o ano, Machado deixou de sair às ruas e passou a se manifestar somente nas redes sociais. Segundo a vice, Delcy Rodríguez, ela está refugiada na Colômbia. A ultraliberal, no entanto, não diz onde está e tem publicado vídeos convocando venezuelanos para uma “vigília mundial” pedindo a liberação dos presos nas manifestações de 29 de julho.
Para Sérgio Gelfenstein, no entanto, mesmo que os movimentos golpistas estejam buscando apoio internacional, é improvável que tenha respaldo de outros países.
“Há uma experiência desses grupos nesses ataques, mas é uma situação melhor hoje do que em outras ocasiões porque não está [Jair} Bolsonaro no Brasil e Iván Duque na Colômbia. Eu não acho que [Donald] Trump apoie uma ação desse tipo, ainda mais porque ele tomará posse dia 20 de janeiro, depois da posse de Maduro”, disse.
Outras operações
Desde sua primeira posse em 2013, Nicolás Maduro enfrenta uma série de planos e operações para derrubar o governo. Desde a oposição, até articulações externas, o presidente já lidou e denunciou uma série de ataques promovidos pela direita. O primeiro deles na gestão do chefe do Executivo foi registrada em junho de 2013.
Naquele mês, nove pessoas foram presas na Venezuela. Eles seriam integrantes do grupo paramilitar colombiano Los Rastrojos. A ideia era ocupar Caracas em um ataque que agruparia outros paramilitares no país. O plano foi descoberto pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) e desmobilizado pelas forças de segurança.
Um dos primeiros planos denunciados por Maduro que teve a participação dos Estados Unidos foi o chamado “Golpe Azul”, ou “Operação Jericó”, que teria sido organizado por um grupo de militares venezuelanos da Aeronáutica com o governo dos EUA. A ideia era usar um avião para atacar o palácio Miraflores durante as comemorações do Dia da Juventude. O plano também foi interceptado pelo governo da Venezuela.
Um dos episódios mais importantes do governo Maduro foi a tentativa de golpe de Estado no país em 2020. A chamada Operação Gedeón tinha como objetivo derrubar o governo de Nicolás Maduro a partir de ataques em diferentes lugares do país. Ao todo, 29 pessoas foram condenadas por “traição a pátria, conspiração com governo estrangeiro, rebelião, associação, tráfico ilegal de armas de guerra, terrorismo e financiamento do terrorismo”.
Na ocasião, uma lancha com 10 homens armados com fuzis, metralhadoras e uma pistola tentou aportar na praia Macuto, costa do estado de La Guaira, cerca de 50 km da capital Caracas. Segundo o GPS da própria embarcação, a viagem começou na Colômbia. O plano envolvia também ataques por terra. As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (Fanb) conseguiram interceptar e desmobilizar a operação.
Outros planos também foram denunciados já em 2024. Em janeiro, o Ministério Público anunciou que foram desmobilizadas 5 tentativas de golpe de Estado durante 2023 que incluíam a morte do presidente, Nicolás Maduro, e do ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. Na ocasião, foram realizadas 32 prisões de pessoas acusadas de conspiração.
Maduro também afirmou em março que ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe e o fundador do partido opositor venezuelano Vontade Popular, Leopoldo López, planejaram “ataques terroristas” contra a Venezuela. Segundo o mandatário, os planos estavam sendo articulados com paramilitares para serem realizados na fronteira com a Colômbia.