Esse mesmo interlocutor bolsonarista cita como exemplo mais recente a participação de Ronaldo Caiado no ato da avenida Paulista pela anistia dos presos do 8 de janeiro, promovido no primeiro domingo de abril com a presença de Jair Bolsonaro e diversas lideranças da direita.
Disse o ex-presidente, na ocasião: “O atual sistema busca cada vez mais tirar da cédula eleitoral do ano que vem as lideranças de direita. O Caiado está aqui inelegível. Vai recuperar a elegibilidade dele, se Deus quiser”. E recuperou. Dois dias depois do evento na Paulista, o plenário virtual do TRE-GO aceitou parcialmente, mas por unanimidade, o recurso protocolado por Ronaldo Caiado e Sandro Mabel e afastou a inelegibilidade imposta ao governador de Goiás e ao prefeito de Goiânia, derrubando também a cassação desse segundo, por apontado abuso de poder político.
A fala de Bolsonaro não foi somente um presságio posteriormente consumado, mas um recado claro aos seus correligionários de Goiás. Acontece que a ação que havia tornado Caiado inelegível por 8 anos foi movida pelo próprio PL goiano, conduzido pelas figuras do senador Wilder Morais, deputado federal Gustavo Gayer e o deputado estadual cassado e ex-candidato à Prefeitura de Goiânia, Fred Rodrigues.
Na verdade, a vontade de Deus, como citada por Bolsonaro, não teve nada a ver com o fato de seu partido desistir de seguir adiante com a tentativa de tirar a possibilidade de Caiado disputar as eleições. Ela ocorreu em atendimento a uma mensagem nítida do ex-presidente: “Caiado precisa estar elegível. Parem de atrapalhar meus planos”.
Em tempo: o governador de Goiás nunca chegou realmente perto do ponto de ficar definitivamente inelegível. Tida como frágil e desproporcional, a sentença da juíza Maria Umbelina Zorzetti foi alvo de críticas de juristas de todo o País, e até de um editorial do jornal Estadão, que cravou: “A Justiça Eleitoral existe para proteger os direitos dos eleitores, mas, nesse caso [da condenação de Caiado], parece tê-los violado”.
Contudo, se a inelegibilidade do governador cairia por terra pela fragilidade dos próprios pilares da sentença que a provocara, os recursos judiciais do PL poderiam, sim, atrasar essa realidade. Bolsonaro sabia disso. Os membros do PL, também. E daí o ultimato do ex-presidente.
Ao contrário de Caiado, que voltou ao jogo com ainda mais força – visto que o chefe do Executivo goiano tomou frente da corrida eleitoral ao ser o primeiro a lançar oficialmente sua pré-candidatura -, Bolsonaro continua inelegível e assim deve continuar.
Mesmo se for condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – o que ele mais teme, e depois perdoado na lei da anistia (se passar no Congresso), nada mudará quanto ao status eleitoral de inelegibilidade do ex-presidente. É preciso destacar: a anistia está prevista no Código Penal brasileiro e trata-se de uma forma de extinção da punibilidade de um crime. Contudo, para que um criminoso seja anistiado, é preciso, primeiro, que ele seja condenado. O que não é o caso de Bolsonaro, que no momento é apenas réu.
Com isso, mesmo que continue a negar oficialmente, Jair Bolsonaro sabe que deverá se aliar a alguma figura proeminente da direita para alçá-la como seu escolhido para a disputa presidencial de 2026.
Necessário lembrar que Ronaldo Caiado vem de uma vertente tradicional da direita no Brasil, e mesmo com boa relação com Bolsonaro, faz questão de demonstrar que não depende dele para concorrer. O governador gostar de lembrar, por exemplo, que faz oposição ao PT e à esquerda desde a década de 80, época em que já se colocava como um defensor contundente da propriedade privada e do movimento ruralista e um crítico ferrenho do movimento sem-terra.
Entretanto, não escapa à percepção tanto do governador quanto do ex-presidente que uma aliança entre eles em 2026, tanto em âmbito federal quanto estadual, faria frente sólida a Lula (nome que não deve ser subestimado nem agora e nem futuramente), daria vantagem ao pré-candidato da base caiadista ao governo de Goiás, Daniel Vilela, e colocaria o PL em uma chapa competitiva ao Senado com apoio de Caiado – que, hoje, é o mais disputado no estado. E um grupo forte de aliados no Senado Federal é tudo o que o ex-presidente mais precisa, dada sua situação atual.
Mas enquanto Bolsonaro vinha ensaiando com um sinal lá e cá sua reaproximação com Caiado, a turma de Wilder e Cia., que quer emplacar a candidatura do senador ao Palácio das Esmeraldas, vinha esperneando contra ela. E aqui, o leitor vai se deparar com um bastidor exclusivo: a nota de repúdio divulgada pelo PL de Goiás no ano passado contra o vereador Vitor Hugo, que havia articulado uma reunião entre o vice-governador Daniel Vilela e Jair Bolsonaro, causou a fúria do ex-presidente. Neste ano, durante o feriado de carnaval, o ex-chefe do Palácio do Planalto teria “puxado a orelha” de Wilder durante uma conversa na casa de Bolsonaro, em Angra dos Reis.
Bolsonaro ainda não crava sua posição quanto a 2026 (a de que ele mesmo será o candidato já não é mais tida com credibilidade pelo seu entorno). Porém, os recados dele aos seus próprios aliados de Goiás apontam que pode estar aqui, no estado, a sua intenção. E levando em conta as broncas diretas e indiretas aos que ainda batem o pé contra a possibilidade de uma aliança com a base caiadista, o caminho está mais aberto do que nunca.