Brasília, 04/03/2025

‘Ainda estou aqui’ mostra que cinema é ‘poderoso’ soft power do Brasil, mas ainda negligenciado

Foliões e blocos foram tomados por sósias da atriz Fernanda Torres, que faz a personagem principal da obra, e, pelos quatro cantos do país, o anúncio da primeira estatueta dourada para o Brasil foi recebido com o estardalhaço digno de um gol da seleção em uma final de Copa do Mundo.
O longa, que também disputou os prêmios de Melhor Filme da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos e de Melhor Atriz, foi baseado no livro do escritor Marcelo Rubens Paiva que conta a história do drama de sua família após o pai, Rubens Paiva, ser sequestrado, morto e ter o corpo desaparecido, em 1971, pelo governo da ditadura civil-militar no Brasil (1964–1985).
Os efeitos e feitos desse sucesso evidenciaram que qualidade, técnica e público não são empecilhos para o despontar do cinema brasileiro até o topo da indústria cinematográfica mundial, de acordo com especialistas na área ouvidos pela Sputnik Brasil.
O poder do cinema brasileiro de influenciar outras nações por meio da atração e persuasão é subaproveitado pelo Estado, de acordo com o jornalista e escritor Jotabê Medeiros e o professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rafael dos Santos.
Santos lembrou que o Brasil possui sólido “know-how em telenovelas” no mundo, bem como produções cinematográficas renomadas internacionalmente há décadas. O que falta, comentou, é política pública específica para investir nesse setor e transformá-lo em ferramenta de marketing:

“A economia criativa de uma maneira geral, as artes de maneira geral, servem como um poderoso ‘soft power’ para o Brasil, porque o Brasil tem uma cultura riquíssima, a música, o Carnaval, as artes plásticas, o teatro, enfim. E o cinema, que sempre resistiu aos momentos difíceis, aos momentos de falta de investimento.”

Também chamada na geopolítica de “soft power”, essa estratégia de criar uma imagem positiva e inspirar admiração no exterior busca gerar vantagens para um país, como divulgação, afirmação cultural e histórica, atratividade turística, criação de símbolos e diálogos transnacionais, elencou Medeiros, que lamentou a falta de visão governamental para o potencial da arte de colher louros comerciais, econômicos e culturais.

“O mercado de cinema amargou sucessivos boicotes ao longo dos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro — e mais dois de Michel Temer. Isso trouxe um atraso considerável para o setor audiovisual, que vinha crescendo. O governo Bolsonaro descumpriu acordos internacionais, travou editais, censurou cineastas, filmes e temáticas, sequestrou o Fundo Setorial do Audiovisual. Tudo por uma questão ideológica”, lamentou ele.

Entretanto, há muitos caminhos para tornar a sétima arte uma ferramenta positiva na política externa, argumentaram os entrevistados, com regras e fiscalização adequadas, investimento na formação de público, na socialização da experiência audiovisual por meio da educação:
“Dinheiro e os editais, sozinhos, não garantem democratização e ampliação de mercados. É preciso atuar nas políticas de promoção, distribuição, divulgação e exibição“, defendeu o jornalista, ao afirmar que a maior parte dos recursos do cinema, proveniente do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), atualmente é monopolizado por um grupo político.
O professor da UERJ ponderou que, apesar do fomento indireto pela Lei Rouanet e do FSA, que alocam quase R$ 1 bilhão por ano ao mercado audiovisual, não basta investir apenas em produção:

“É preciso também ter uma política mais dinâmica, desenvolver a infraestrutura de produção, de pós-produção. [Para] Muitos filmes a pós-produção é mais cara do que a produção. […] também incentivar a formação de público, criar o hábito de o brasileiro assistir conteúdo nacional. Esse hábito passa por uma política de formação nas escolas, de as pessoas poderem assistir nas escolas”, disse ele, ao acrescentar o subsídio para o ingresso de filme brasileiro como outra estratégia relevante.

Santos citou ainda que a política pública para o setor pode incluir investimento em intercâmbio com profissionais do exterior.

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