Secretaria ignora o Conselho Gestor responsável por fiscalizar e sugerir a aplicação dos R$ 4 milhões hoje no caixa do FunClima de Rondônia. Para organizações, há riscos de retrocessos, falta de transparência e de insegurança jurídica na gestão das políticas públicas direcionadas ao enfrentamento das mudanças climáticas.
Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho
A Secretaria de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam) concedeu a si própria toda autonomia para decidir como aplicar os recursos do Fundo Estadual de Governança Climática (Funclima). Estão paralisados mais de R$ 4 milhões. Ao abolir a contribuição do Conselho Gestor, criado no âmbito do 4º Fórum Estadual de Mudanças Climáticas, a pasta ignorou e pôs abaixo o trabalho dessa instância. Há risco de insegurança jurídica, apontam organizações do terceiro setor, que lamentam possível retrocesso e centralização.
Às vésperas da COP-30, a ser realizada em 2025 em Belém, Rondônia está novamente em efervescência. O Conselho, que contaria inclusive com membros do próprio governo, seria responsável por aprovar o plano de aplicação dos recursos climáticos e os indicadores de desempenho das políticas públicas.
O Conselho teria agora a chance de funcionar, mas seus membros nem sequer foram nomeados.
Os atropelos do governo Marcos Rocha (União) na gestão dos recursos do FunClima também acontecem no exato momento em que Rondônia vem sendo intensamente impactada por eventos climáticos extremos. Em 2024, o Rio Madeira alcançou o nível mais baixo de vazante em quatro décadas. Além de Porto Velho, algumas cidades do interior ficaram em grave situação de crise hídrica.
A regulamentação dos programas climáticos da Lei aprovada em 2018, não aconteceu no prazo de quatro anos estipulado pela Lei. A mitigação dos impactos não aconteceu.
“Com o Fórum, criamos oportunidades para que especialistas, sociedade civil e entidades alinhem ideias e tracem planos que propiciem a melhor governança climática”, disse vagamente o governador.
Oscips rebatem Rocha apontando “três graves consequências”:
1) Redução da transparência: sem o caráter deliberativo, o Conselho perde sua capacidade de supervisionar a aplicação dos recursos, o que compromete a transparência nas decisões;
2) Desmotivação e enfraquecimento de representantes da sociedade civil, notadamente daqueles que se dedicam às câmaras técnicas;
3) Insegurança jurídica: a ausência de um órgão deliberativo colegiado diminui a segurança jurídica nas decisões sobre o uso dos recursos climáticos, aumentando o risco de má alocação dos fundos.
Dirigentes dessas organizações preferem não se identificar, na expectativa de reversão das decisões da Sedam.
Varadouro teve acesso a uma nota técnica denominada Impactos e Análise das Alterações Promovidas pela Lei n° 5.868 de 2024 sobre a Política de Governança Climática e Serviços Ambientais em Rondônia. Ela diz: “Antes, o Conselho Gestor tinha a função de aprovar o plano de aplicação dos recursos climáticos e os indicadores de desempenho das políticas públicas e garantia transparência e participação social nas decisões sobre o uso dos recursos.”
No contexto e histórico da Lei nº 4.437/2018 criou a Política Estadual de Governança Climática e Serviços Ambientais (PGSA,), estabelecendo o Sistema Estadual de Governança Climática e Serviços Ambientais (SGSA), cujo objetivo é alinhar ações governamentais, sociedade civil e setor privado para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Ela previa a criação do Funclima com recursos destinados a apoiar programas de mitigação, adaptação e pagamento por serviços ambientais. Já o Conselho Gestor seria um órgão deliberativo, composto por representantes de diversos setores com conhecimento técnico, incluindo comunidades tradicionais e representantes de órgãos públicos.”
“O impacto das alterações promovidas pela Lei nº 5.868/2024 foi nocivo à luta pela sustentabilidade”, consideram as organizações. Elas entendem que a revogação do caráter deliberativo pode significar “um grave retrocesso na governança climática.”
Ao retirar o poder deliberativo, o governo abre espaço para decisões unilaterais, limitando a fiscalização e o controle social sobre a destinação dos recursos do Funclima, acreditam as organizações.
Apesar das disposições da Lei n° 4.437/2018, que previa a regulamentação dos programas climáticos em até quatro anos, o governo estadual não regulamentou esses programas, mesmo após seis anos. Isso resultou em um vácuo normativo que inviabilizou o uso adequado dos recursos do Funclima. Omissões do Poder Legislativo e do Poder Executivo.
Incertezas
As Oscips preveem “incertezas na implementação de políticas climáticas”: “A ausência de normas claras compromete a continuidade das políticas ambientais, gerando incerteza sobre o futuro da gestão climática no estado.”
No que diz respeito a implicações jurídicas, as organizações entendem que as alterações promovidas pela Lei n° 5.868/2024 podem ser consideradas inconstitucionais sob diversos aspectos, especialmente por violarem o princípio da participação social, previsto na Constituição Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
“A ausência de regulamentação dos programas previstos por seis anos pela Lei n° 4.437/2018 é um claro exemplo de omissão legislativa, que coloca em risco a efetividade das políticas públicas e gera insegurança jurídica para os atores envolvidos” – entendem as Oscips.
A retirada dos projetos de pagamentos por serviços ambientais enfraquecem a transparência, a participação social e a proteção das comunidades tradicionais. Mesmo assim, as instituições recomendam a eficácia da Lei 5.868/2024, a principal delas reivindicando o restabelecimento do caráter deliberativo do Conselho Gestor.
Ela regulamentaria imediatamente programas previstos na Lei n° 4.437/2018, assegurando a utilização de recursos na mitigação de efeitos das mudanças climáticas de acordo com metas claras e indicadores de desempenho.
As Oscips propõem a inclusão dos projetos voluntários de pagamentos por serviços ambientais na repartição de benefícios, reconhecendo desta maneira o papel fundamental das comunidades tradicionais e pequenos agricultores na preservação ambiental.
“Ao permitir que a Sedam tenha autonomia total sobre o uso dos recursos, aumenta-se o risco de que os fundos sejam destinados a finalidades divergentes dos objetivos originais de mitigação e adaptação climática” – assinalam com o temor de um iminente “desalinhamento com boas práticas de governança.”
Em síntese: as Oscips querem evitar definitivamente má gestão e corrupção.
Contra compromissos internacionais
“A nova lei exclui a sociedade dos espaços de tomada de decisões, mantendo apenas a participação sem qualquer poder de voto” – lamentam as organizações.
Apontam ainda “a incoerência com compromissos internacionais”: “A medida vai contra os compromissos assumidos pelo Brasil, entre eles o Acordo de Paris, que prevê o fortalecimento de práticas sustentáveis e a inclusão de comunidades locais nas políticas de adaptação e mitigação climática.”