O BTG Pactual vai muito bem, obrigado. Tanto que, em 2024, distribuiu cerca de R$ 3 bilhões de reais em bônus para seus admnistradores. O banco é um dos maiores porta-vozes da instituição abstrata “mercado” e, por meio de seus representantes, é defensor de medidas de ajuste fiscal e redução do poder de investimento do Estado, ainda que isso represente cortes em áreas fundamentais e programas sociais.
O BTG Pactual, maior banco de investimento da América Latina, reportou nos três primeiros trimestres de 2024 um lucro líquido acumulado de R$ 9 bilhões, alta de 19,5% em relação ao ano anterior. Com R$ 1,5 trilhão em ativos sob gestão, a instituição consolidou-se como um “outlier” no setor, crescendo acima da média das concorrentes.
Cortes no BPC e Bolsa Família atingem milhões de vulneráveis
A disparidade entre as economias realizadas em programas sociais essenciais e os ganhos acumulados por instituições como o BTG escancaram as contradições de um modelo que prioriza o lucro sobre o bem-estar coletivo.
“O mercado financeiro tem intensificado sua pressão por um ajuste fiscal estrutural que não apenas compromete a capacidade do Estado de prover bens e serviços públicos, mas também pavimenta o caminho para um processo de desestatização acelerado e o desmonte de direitos sociais que enfraquecem ainda mais o trabalhador na sua já desigual disputa com o capital”, avalia o doutor em economia pela Universidade de Brasília David Decache.
“Esse movimento é sustentado por uma narrativa de terrorismo econômico amplificada pela grande mídia, que busca convencer a opinião pública de que, sem o desmonte fiscal almejado, o Brasil estaria condenado a uma crise inevitável”, completa.
O BPC atende mais de 4,7 milhões de beneficiários, entre idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, enquanto o Bolsa Família contemplava, em outubro, 20,73 milhões de famílias, em todos os 5.570 municípios do país. Juntos, os dois programas tiveram suas economias estimadas pelo governo em R$ 6 bilhões.
“E se formos capazes de fazer o ajuste fiscal que precisamos fazer no Brasil, e os mercados reprecificarem um cenário melhor, acho que isso beneficiaria muito nossos negócios”, projetou à CNN o presidente-executivo, Roberto Sallouti, apontando continuidade no crescimento em 2025 e explicando que o banco também se beneficia em um ambiente de taxas mais altas em razão do efeito de juros sobre o capital.
“O que explica a pressão por austeridade fiscal é que o discurso do desequilíbrio das contas públicas sugere que o aumento dos gastos públicos gera, necessariamente, inflação, e o BC trata a inflação como apenas um fenômeno monetário, aplicando doses elevadas de aumento na taxa de juros. Taxas de juros elevadas elevam as margens dos bancos, especialmente de bancos de desenvolvimento, elevando seus lucros”, analisa a economista Juliane Furno, doutora pela Universidade de Campinas e professora da Estadual do Rio de Janeiro.
“O paradoxo é gritante: essa pressão ocorre num cenário em que os grandes atores do mercado continuam a acumular lucros recordes e a distribuir bilhões em dividendos a seus acionistas, montantes que, no Brasil, seguem completamente isentos de tributação”, arremata Decache.
Arcabouço fiscal impõe desafios estruturais
Enquanto os bônus bilionários do BTG refletem o sucesso do banco em um cenário de lucros acima da média, o contraste com as dificuldades impostas pelo arcabouço fiscal é evidente.
O pacote de corte de gastos aprovado no apagar das luzes do Congresso neste ano, promovido para atender às exigências do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), evidencia as contradições dessa regra fiscal. Proposto para substituir o Teto de Gastos, o NAF vincula o crescimento das despesas públicas ao aumento da arrecadação.
No entanto, ele impõe uma limitação: os gastos podem crescer apenas 70% do que for arrecadado, enquanto as áreas de saúde e educação, protegidas por pisos constitucionais, devem acompanhar integralmente o crescimento da arrecadação.
Esse descompasso cria um dilema político e orçamentário. No longo prazo, a manutenção dos pisos constitucionais comprimirá os demais gastos públicos, comprometendo recursos para áreas essenciais, como programas sociais.
Segundo Juliane Furno, “o governo terá que decidir entre flexibilizar os pisos da saúde e educação ou modificar o NAF. Ambas as opções enfrentam resistências e demandarão grande articulação política.”.
A discussão sobre os pisos não ocorreu no último pacote de corte de gastos, mas continua no horizonte do mercado.