Em meio à desaceleração dos trabalhos do Congresso Nacional neste período eleitoral, uma proposta apresentada recentemente passou despercebida aos holofotes: parlamentares da bancada ruralista querem suspender os efeitos do Decreto n.º 12.189/2024, que criou novas sanções para quem provocar incêndios florestais no país. Assinado pelo presidente Lula (PT) em setembro, o dispositivo estipula, por exemplo, multa de R$ 10 mil para quem gerar início de queimadas em florestas ou outras vegetações nativas, bem como multa de R$ 5 mil para ocorrências do tipo em florestas cultivadas.
A ideia de derrubar o decreto está expressa em pelo menos duas propostas assinadas por membros da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), sendo uma delas apresentada na Câmara dos Deputados e outra no Senado. Neste último tramita o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 353/2024, assinado pelo líder da oposição na Casa, o senador bolsonarista (foto) Marcos Rogerio (PL-RO). Já na Câmara foi protocolado o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 352/2024, de autoria do Zé Vitor (PL-MG).
Ambos foram apresentados entre o final de setembro e o começo de outubro e propõem a suspensão do Decreto 12.189, editado pelo governo como forma de responder à escalada do número de queimadas, que multiplicou os focos de calor no país ao longo de um ano. Dados do Instituto Espacial de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, de janeiro até o começo de setembro deste ano, por exemplo, houve 159.411 focos de incêndios. Em 2023, foram 79.315 no mesmo período.
Ao justificar o pedido pela derrubada do decreto do governo, Marcos Rogério afirma que as mudanças trazidas pela norma seriam “abusivas” e que o decreto supostamente “comete ilegalidade ao tratar todo fogo em áreas rurais como ação criminosa, imputando responsabilidade, quase que exclusivamente, aos produtores rurais, e por confundir queimadas controladas e incêndios ilegais”. Já no PDL 352/2024, o deputado Zé Vitor cita o Código Florestal (Lei 12.651/2012) e a Lei do Manejo Integrado do Fogo (Lei 14.944/2024) para argumentar que tais instrumentos seriam “suficientes para coibir o crime ambiental e imputar responsabilidade civil”.
A afirmação contrasta com o que especialistas têm apontado em relação à realidade. O artigo 46 da Lei 14.944/2024, por exemplo, aponta que o descumprimento das regras previstas na norma sujeita os infratores às penalidades previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), legislação que, na visão de organizações civis que acompanham o problema, tem se mostrado inócua.
O motivo tem sido o fato de as penalidades da lei resultarem, na prática, em sanções brandas, como é o caso do pagamento de cestas básicas, por exemplo, o que tem se mostrado incapaz de coibir o uso criminoso do fogo. Apesar do recorde de queimadas registradas neste ano, o Brasil tem apenas 373 pessoas presas por crimes ambientais, segundo informações oficiais da Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça (MJ). O número inclui presos em regime fechado e semiaberto e representa 0,05% da população carcerária do país, onde há uma média de 645 mil detentos.
A iniciativa dos ruralistas surge no momento em que o governo Lula tem estudado um anteprojeto de lei que deverá propor um enrijecimento das sanções previstas na Lei de Crimes Ambientais. Diferentes propostas de alteração da legislação já tramitam no Congresso, mas a gestão deve encaminhar uma medida própria nas próximas semanas. O texto está em análise na Casa Civil. Em reportagem publicada no último dia 6, o Brasil de Fato mostrou que entidades civis do campo progressista também defendem o endurecimento penal para esse tipo de crime.
Tramitação
O PDL 353/2024, do senador Marcos Rogério, foi alvo de um despacho da mesa diretora do Senado na quinta-feira (10), quando foi remetido para análise na Comissão de Meio Ambiente. O projeto ainda não tem relator designado para cuidar da proposta. Já o PDL 352/2024, do deputado Zé Vitor, está na mesa diretora da Câmara, onde aguarda novas movimentações. As propostas ainda não têm data para votação.
Pelas regras, um PDL precisa ser avaliado pelas comissões legislativas e, caso trate de assunto relativo a mais de quatro comissões de mérito, o texto deve ser apreciado por uma comissão especial, tipo de colegiado criado para a análise de uma proposta específica. Alguns PDLs devem ser avaliados depois pelo plenário, enquanto outros podem ser conclusivos às comissões, o que significa que, eventualmente aprovados por estas, seguem diretamente para a outra casa legislativa.
Mas, na Câmara dos Deputados, por exemplo, a tendência nos últimos anos tem sido a apreciação de boa parte das proposições diretamente em plenário, o que é possível após a aprovação de um requerimento de urgência. Se isso vier a ocorrer, a proposta pode ser colocada em votação em qualquer data em que haja sessão deliberativa, a depender apenas de acordos entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os líderes das bancadas. (Brasil de Fato)