Karolina Monte – Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
“Talvez nós estejamos indo para uma terceira onda do fascismo no século XXI”, aponta o historiador e analista político Miguel Stédile declarou no episódio de O Estrangeiro, podcast de política internacional do Brasil de Fato.
O tema do episódio desta quinta-feira (30) foi a ascensão mundial da extrema direita e o cenário político da Alemanha, que, pela primeira vez em votação simbólica histórica, flertou com a (Alternativa para a Alemanha) AfD, partido neonazista alemão, e aprovou uma política anti-imigração proposta pelos conservadores.
“Vimos uma primeira onda fundadora [no século XX] centrada na Europa. E depois temos a chegada de Trump e Steve Bannon, em que o centro da extrema direita mundial estava localizado nos Estados Unidos, impulsionado pelo governo Trump”, acrescentou Stédile.
O pesquisador explica que o “processo de desnazificação da Alemanha sempre foi por baixo dos tapetes, por assim dizer. Por mais que haja uma propaganda oficial disso, não podemos dizer que houve um processo intenso de acerto de contas com a memória”.
Sobra a moção contra a política migratória alemã, aprovada na quarta-feira (29) em uma aliança dos conservadores com a extrema direita, Stédile avalia como uma sinalização de que a AfD pode participar do próximo governo de coalizão, o que é bastante assustador e preocupante.
Para o analista, o partido de extrema direita alemão “não terá uma vitória surpreendente nestas eleições, mas continuará a manter o que fez nos últimos anos; um crescimento consistente”.
“Não é que ela será derrotada, ela vai continuar crescendo. Ela vai se transformar em um ator em que os outros setores consigam formar uma maioria que dispense alianças ou acordos com a AfD.”
O correspondente do Brasil de Fato na Rússia, Serguei Monin, pontuou que se até então, na Alemanha, existia um “cordão de isolamento contra um partido neonazista. Agora, para compor uma maioria popular anti-imigração, em um cenário de insegurança econômica, este flerte foi possível.”
“A guinada à direita na Alemanha é um fato”, completou Serguei, uma vez que o endurecimento das políticas migratórias está no centro das eleições antecipadas, “e isso tem reflexo nas próprias políticas de Donald Trump. Ou seja, naturaliza políticas que são totalmente contra as pluralidades”.
Miguel Stédile também avaliou a participação de Elon Musk no comício da AfD no último domingo (26) como um movimento que pertence a uma “agenda própria” do bilionário.
“Nós tivemos um hiato pós-Trump em que se cava o epicentro da extrema direita para a Europa. E agora, nesta terceira fase, volta o centro mentor da extrema direita nos EUA, e a Alemanha e Europa no geral orbitam em torno desse centro impulsionador”, avalia Stédile.
“O discurso de Trump sempre foi de direita, com um tom midiático e raivoso, mas faltava a extrema direita europeia se solidificar. E isso pode influenciar, no sentido de qualificar, no mal sentido, o discurso do Trump, com um intercâmbio de ideias péssimo para a humanidade.”
Onda migratória, sem tecnologia e população envelhecida
A Alemanha vive uma recessão econômica, o que, certamente, pesou na política de um país que foi, por muito tempo, a maior economia europeia.
Com PIB baseado quase exclusivamente no setor automotivo para exportação, a falta de investimentos deixou o país para trás na corrida tecnológica, além da proposta de transição energética, que tem custado caro para a economia alemã. E a população tem cobrado suas demandas.
Para Stédile, esta crise econômica “com certeza” contribuiu para o fortalecimento das ideias da AfD.
Há exatos dez anos, a Alemanha viveu uma forte onda de imigração na Alemanha, de populações vindas do Oriente Médio. Mas a segunda onda migratória vivida no país é ucraniana, causada pela Guerra na Ucrânia.
“Isto também é fruto do conjunto de políticas” contra refugiados aprovada simbolicamente com o apoio da extrema direita, acrescenta Stédile.
Ao mesmo tempo, ele aponta que a Alemanha “tem perdido as corridas em inovação tecnológica”. “Ninguém conhece uma fábrica de chips ou inteligência artificial alemã. É um modelo industrial que está diminuído”.
O terceiro fator para a crise levantado pelo analista é a mão de obra. “Esses empregos assumidos pelos imigrantes são os mais baixos, precarizados, mal remunerados. E certamente não são esses que os neonazistas reivindicam. Eles não querem os imigrantes, mas também não querem fazer esse tipo de trabalho”, aponta o pesquisador.
Neste cenário, o país vive “um conjunto de problemas que agrava e alimenta esse discurso [extremista]. O austericídio é a antessala do fascismo”.”Se as forças democratas não oferecem uma resposta, as respostas fáceis vêm do fascismo”, completou Serguei Monin.
O podcast O Estrangeiro vai ao ar apresentado toda quinta-feira às 10 horas.