Euler França Belém – Jornal Opção
De Buenos Aires — A guerra “incultural” do presidente da Argentina, Javier Milei, continua, ou melhor, está sendo ampliada. Na sexta-feira, 2, o jornal argentino “Clarín”, publicou uma reportagem, assinada por Emiliano Russo, sob o título de “‘No odiamos lo suficiente a los periodistas’, insistió Milei” (“‘Não odiamos o suficiente os jornalistas’, insiste Miley”).
O tuistar libertário Gordon Dan (Daniel Parisini) disse, em apoio a Milei: “Não odiamos o suficientemente aos jornalistas”. Depois, inquiriu se “o presidente poderia mandar prender um jornalista por decreto, como fez [o ex-presidente Raúl] Alfonsín”. Em 1985, este autorizou a prisão, por decreto, de 12 pessoas, entre elas dois jornalistas, supostamente por orquestração golpista.
No Dia do Trabalhador, Milei retomou suas críticas radicais aos jornalistas. O presidente e seu assessor Santiago Caputo — não muito diferente do bolsonarismo e dos epígonos de Steve Banon — decidiram usar a “estratégia” de apresentar a imprensa (a “mídia”) “como nova casta”. O objetivo é criar “um novo adversário interno”, assim como fez o guru de gestor libertário, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e atacá-lo de maneira impiedosa.
A comunicação dos auxiliares de Milei tem tripla face. Primeiro, falar diretamente à sociedade, sem a intermediação da imprensa tradicional. Segundo, reforçar os laços com os “streamers libertários e comunicadores alinhados com sua administração”. Terceiro, atacar a “grande mídia” para desmoralizar tanto suas notícias quanto os artigos dos analistas.
A partir de agora, a cobertura dos atos e palavras dos “senhores” da Casa Rosada será mais restrita aos meios ditos tradicionais — como “Clarín”, “La Nación” (por sinal, ambos são hostis ao presidente; porém, não são alinhados) — e mais aberta aos defensores da “guerra cultural”. Nem se fala do “Página 12”, bem mais crítico ao governo de Milei.
A irritação de Milei com a imprensa tem a ver, neste momento, com uma crítica de Diego Brancatelli ao fato de que a ministra Sandra Pettovello, em vez de participar de “um ato do governo”, estaria fazendo turismo na Itália “depois do funeral do papa” Francisco.
Sandra Pettovello esclareceu que a informação de Diego Brancatelli “era falsa”. Não compareceu ao evento do governo porque, logo ao regressar, foi submetida a uma cirurgia.
Milei optou pelo ataque, e não o mero esclarecimento, e chamou Diego Brancatelli de “mentiroso”. Em seguida, perdeu a compostura: “Não odiamos o suficiente os jornalistas”. O presidente tem insistido na “crítica”, como se dissesse aos argentinos, ao menos àqueles que o apoiam, que deveriam “odiar” os jornalistas. Depois do ódio, como se sabe, vêm os ataques — inclusive físicos.
O que ouvi e vi nas ruas de Buenos Aires
Nas ruas de Buenos Aires e San Izidro, tenho ouvido o seguinte: a inflação caiu, mas o custo de vida continua ato. O país está dividido: parte apoia Milei, por considerá-lo “bem-intencionado” e “revolucionário”, e parte o abomina, com palavras pesadas. Um livro de 300 páginas custa em média 180 reais, às vezes até mais. No Basil custa bem menos.
Há dezenas de pessoas dormindo nas ruas e pedindo esmolas. No metrô, sempre há pessoas vendendo meias, grampos de prender roupas e até agulhas, colchetes e linhas para costura. É menos, digamos, do que subemprego.
Milei é responsável pelo quadro? Não o é totalmente. A miséria da Argentina o antecede. Ouvi de um intelectual, na Feria del Libro de Buenos Aires, no stand do “Clarín”: “Os governos anteriores, de Cristina Kirschner a Alberto Fernández, eram cleptocratas, mas pelo menos criaram uma rede de proteção social, que Milei, o ‘doido’, está desarticulando. Não se pode governar apenas para o mercado”.
Mas percebi que Milei é bem menos impopular do que a esquerda pensa. Notei jovens empolgados com o presidente, e percebendo-o como “revolucionário”. Seria um político que “precisa de tempo para resolver as coisas”. As aspas contêm a opinião de uma garçonete da sanduícheria Cobra de pouco mais de 20 anos.