Giovanna Campos – Jornal Opção
Um dos pilares do jornalismo goiano, editorialista e fundador do Diário da Manhã, Batista Custódio morreu na manhã desta sexta-feira, 24. O jornalista estava internado na UTI do Hospital São Francisco, em Goiânia, para tratamento de uma pneumonia. Como também enfrentava um câncer de pulmão, não resistiu e morreu aos 88 anos.
Segundo o filho de Batista, Julio Nasser, o pai será velado no Cemitério Jardim das Palmeiras, em Goiânia, a partir das 12h. A cerimônia será aberta a todo o público. Batista enfrentou dois meses de internação e uma recente cirurgia na mandíbula.
Ele vinha realizando terapia nos últimos anos e o câncer estava sob controle. Porém, no último mês o jornalista sofreu um derrame pleural (acúmulo de líquidos entre o pulmão e o tórax) e o quadro clínico foi agravado.
Fundador do “Cinco de Março’, jornal que marcou época na imprensa independente de Goiás, e do DM, Batista tornou-se referência de jornalismo opinativo no Brasil e comandou redações de luminares do jornalismo. Atuou ao lado dos maiores ícones da imprensa nacional, caso de Washington Novaes e Aloisio Biondi. Sob tutela de Batista, ganharam o prêmio Esso e outras condecorações, como o terceiro lugar de Melhor Veículo de Comunicação do Brasil, honraria concedida pela Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1984.
Em capítulos cruciais da nossa trajetória nacional, o Diário da Manhã desempenhou um papel ativo como testemunha e protagonista, destacando-se durante a redemocratização, as eleições diretas e a consolidação da internet como meio de comunicação.
Há quatro anos, o jornalista se aposentou, mas continuava atuando no jornal. De casa, acompanhava os principais temas em desenvolvimento no Brasil e Goiás. Além de escrever artigos, pautas e reportagens, também recebia diariamente amigos e a comunidade intelectual-política do Estado para debater os desdobramentos do país.
Governo e Prefeitura decretam luto
Durante evento em Abadia de Goiás, o governador do Estado, Ronaldo Caiado decretou luto de três dias pela morte do jornalista. “Ele mudou a história do Estado de Goiás. Um dos homens mais cultos que eu conheci, sem dúvida alguma foi uma referência do jornalismo brasileiro, respeitado nacionalmente pelo conteúdo de suas matérias e pelo seu preparo intelectual”.
Na Câmara Municipal de Goiânia, o prefeito Rogério Cruz também decretou luto na capital. “Morreu um dos maiores jornalistas do nosso Estado e também do país. Tive a oportunidade de visitá-lo no ano passado e declaro luto oficial por três dias pela morte do nosso grande jornalista”.
Batista Custódio, o ousado e polêmico criador do Diário da Manhã, morre aos 88 anos

24 novembro 2023 às 11h20

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Cinco de Março
A sociedade temia o “Cinco de Março. Dizia-que, às segundas-feiras, Goiânia (e talvez Goiás) tremia quando começava a circular. O jornal era disputado nas bancas. Era um misto de jornalismo investigativo e sensacionalismo, de agressividade ímpar.
O “Cinco de Março” contava com uma redação talentosa. Dizia-se que Consuelo Nasser copidescava tudo — até o francês Flaubert, autor de “Madame Bovary”. A jornalista, que havia estudado Direito no Rio de Janeiro e era leitora devota de Dostoiévski, era uma editora de primeira linha.
Durante anos dizia-se que Consuelo Nasser escrevia artigos para Batista Custódio assinar. Nada mais falso. Ela podia até fazer a revisão dos textos, mas ele escrevia — e bem. Eu mesmo revisei vários artigos do articulista — todos bem-formados e bem-escritos.
2
Diário da Manhã
O nascimento do “Diário da Manhã” aposentou o “Cinco de Março”, que ficara no passado. Os tempos modernos exigiam outro tipo de jornalismo, (mais) fiel aos fatos.
O “DM” era o oposto do “Cinco de Março”. Era semelhante ao concorrente “O Popular”, porém com pegada mais crítica.
3
Consuelo Nasser
Consuelo Nasser era o braço direito de Batista Custódio. Ela escrevia artigos, pautava e copidescava o material dos repórteres. Depois da crise do jornal, na primeira metade da década de 1980, o casamento entrou em crise e cada um foi para seu lado.
Feminista na prática, Consuelo Nasser criou o Centro de Valorização da Mulher (Cevam). Ela dizia que, com o Cevam, descobriu que mulheres das classes média e alta apanhavam dos maridos e, por receio de escândalo, não os denunciavam.
Ela vivia uma relação de amor e ódio com Batista Custódio. Se criticavam, mas se respeitavam. Eram pais de Fábio Nasser. Júlio Nasser, filho de Consuelo Nasser, foi adotado por Batista Custódio (Júlio, sempre educado e diplomático, e Batista Custódio sempre se deram muito bem).
Fábio Nasser e Consuelo Nasser se mataram.
4
Para fazer o “Diário da Manhã”, Batista Custódio contou, inicialmente, com mão de obra local — jornalistas de primeira linha como Hélio Rocha, Javier Godinho, Djalba Lima, Marco Antônio da Silva Lemos, Fleurymar de Souza, Abadia Lima, Lorimá Dionízio (Mazinho), Luiz Carlos Bordoni, Carlos Honorato, Jayro Rodrigues, Lisa França, entre vários outros.
Em seguida, depois de consultar Mino Carta e Claudio Abramo, Batista Custódio contratou Washington Novaes, que havia trabalhado em vários jornais do Rio de Janeiro e São Paulo e na TV Globo.
Washington Novaes era um profissional de primeira linha e foi, de fato, uma grande contratação. O jornalista, com o apoio da equipe local — que era de alta qualidade — e dos chamados “estrangeiros”, criou um grande jornal, que chegou a repercutir no país.
Entre os jornalistas que vieram para Goiás estavam Reynaldo Jardim (o jornalista e poeta que reinventou, ao lado de Janio de Freitas, o “Jornal do Brasil”), Marco Antônio Coelho, Pindé (José Antônio Menezes) e Aloizio Biondi. Janio de Freitas, Mino Carta e José Guilherme Merquior escreviam artigos exclusivos para o jornal.
O “DM” passou a ter forte ligação com a sociedade, sobretudo com representantes populares dos bairros, por intermédio de um conselho. Até nisso o jornal era moderno.
5
Por que o “Diário da Manhã” fechou as portas? Trabalhei lá de 1987 a 1993 e ouvi várias histórias. A dominante é: o jornal decidiu criticar Iris Rezende, eleito governador em 1982 e tendo assumido em 1983, e deu-se mal.
Na versão divulgada na redação por Batista Custódio, Iris Rezende, como governador, teria promovido uma perseguição implacável ao jornal. Se um empresário anunciava em suas páginas, era, na versão do criador do jornal, perseguido e auditores fiscais eram enviados para vasculhar suas contas.
Relatava-se, na redação, que alguns empresários repassavam dinheiro e pediam para o anúncio não sair.
Jornalistas que trabalharam na empresa apontam que a história da perseguição de Iris Rezende é verdadeira. Mas adicionam a informação de que havia um caos administrativo-financeiro (“gastava-se de maneira desmedida e mal”, me disse um ex-editor). A redação era tida como muito dispendiosa e, como havia uma fartura de recursos — proporcionados pelo governo de Ary Valadão —, os gestores não se preocuparam com qualquer enxugamento.
Batista Custódio e Consuelo Nasser era mais jornalistas do que empresários. No momento necessário “faltou” empresa para sustentar o jornal, que, naquela época, era excelente.
6
Batista Custódio não era um grande leitor de obras cruciais, mas absorvia bem o que lia ou ouvia (Conselho Nasser disse ao Jornal Opção que chegava a gravar fitas para ele ouvir). É provável que não tenha lido Proust, James Joyce e Samuel Beckett. Apreciava o romântico Castro Alves. Era muito atarefado, vivia para o jornalismo. Seu lazer era frequentar a fazenda de Baliza, às margens do Rio Araguaia. De lá voltava revigorado.
Se não era um intelectual refinado, Batista Custódio era um homem inteligente e sabia tudo de jornalismo. Gostava de jornalismo. Comia e bebia jornalismo.
O jornalista não era politicamente correto, mas mantinha uma convivência estreita com os jornalistas. Era tipo Roberto Marinho — fazia amizade com os repórteres e editores.
Apreciava bons jornalistas, sobretudo os que escreviam bem e pensavam, e os contratava. Mas se considerava “o” jornalista. Um par? Talvez Carlos Lacerda (que o influenciou na arte de ser polemista destemido) e Alfredo Nasser (tio de Consuelo Nasser).
7
O jornalista de política às vezes precisa raciocinar como políticos para entendê-los. Batista Custódio se preocupava em entender como o político pensava. Às vezes dava conselhos aos políticos e, eventualmente, era ouvido (dizem que políticos ouvem apenas suas próprias vozes, sobretudo depois de ano de poder). Conselhos que ele, muitas vezes, não seguia. Conviveu com gerações de governadores, como Mauro Borges (a respeito do qual tinha reservas graves), Otávio Lage, Leonino Caiado, Irapuan Costa Junior (dizia: “É um dos poucos políticos que realmente leem e pensam”), Ary Valadão (talvez o governador com quem melhor se relacionou), Iris Rezende (a relação começou boa e se deteriorou; no final, eram inimigos cordiais, se se pode dizer assim), Henrique Santillo, Marconi Perillo, Alcides Rodrigues e Ronaldo Caiado (de quem gostava, sobretudo pela lealdade e pela decência. Na década de 1980, o hoje governador ajudou muito o jornal).