Jorge Eduardo – (GPS Brasília) – O mundo corporativo tem uma frase que odeio: “o cemitério está cheio de insubstituíveis”. Meu asco vem da ironia que costuma acompanhá-la, indicando que qualquer pessoa pode ser trocada por outro profissional, a qualquer momento. Pior: subverte uma verdade: de fato, os cemitérios estão lotados de pessoas insubtituíveis, pois ali estão repousando na vida eterna nossos pais, irmãos, maridos, mulheres, parentes e amigos queridos. Nenhum deles jamais será trocado ou substituído no coração de nenhum de nós.
Mas existem algumas pessoas que são insubstituíveis latu sensu – traduzindo do latim, “em sentido amplo”. Nesta terça-feira (12), Brasília deu adeus (ou um “até breve” celestial) a uma delas: o imortal Paulo Pestana da Silva Filho 9na foto com a família). Imortal não por fardão, pois ninguém, em sã consciência, conseguiria imaginar o Paulinho enfatiotado na roupa do pessoal da Academia Brasileira de Letras (ABL). Imortal, sim, no verdadeiro sentido: jamais será esquecido por todos aqueles que o conheceram.
A começar pelos seus humildes amigos, grupo no qual me incluo. Quando aqui cheguei, em 1998, acompanhado pela mulher e pela minha primeira filha – a segunda é brasiliense de berço -, logo conheci Paulinho, por intermédio de um mortal que será imortal um dia, o Paulo Gusmão, e de um outro imortal, o inesquecível Massimo Manzolillo, que partiu da Terra precocemente, em 2006. Paulinho e sua alma-gêmea Zelinda Lucca logo adotaram a gente – junto a outros brasilienses de corpo, coração e alma, mostrando que nossa capital é, sim, uma cidade acolhedora. Nos indicaram colégio, lugar para morar, abriram sua casa e deram amor e amizade – tudo que o mundo mais precisa. Isso fez de Brasília a nossa casa definitiva.
Mas eu via no Paulinho qualidades e virtudes que queria na minha vida: vasta cultura, temperança e simpatia. Um papo com ele poderia versar sobre a banda Chic, a formação ofensiva da seleção brasileira para a Copa do Mundo, o conjunto da obra de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski ou simplesmente ser aopenas uma cerveja ou um uisquinho sem compromisso no Segundo Clichê ou Armazém do Brás. Na sua casa, no Lago Norte, a minha primogênita curtiu muito. A mais nova, nascida em 2000, também. Animação, amor e acolhida não faltavam ali.
Como enxergar as virtudes de uma pessoa significa que você quer aprender com ela, insisti o quanto pude para que ele me abrissee as portas do Jornal de Brasília, o que ele fez em novembro de 2000. A vontade era tanta que nem combinei salário: simplesmente fui. E ele foi generoso ao deixar que eu estabelecesse o meu preço. Obviamente, não abusei. O aprendizado era a maior remuneração possível.
Ali tive ele como mestre e outros instrutores de peso, como o Sylvio Guedes. Com profissionalismo na veia, ele fez o jornal crescer de forma incrível. Ao lado de amigos, vivi a melhor experiência profissional da vida. Aprendi, com Paulinho, que a junção de pessoas de temperamento forte pode dar certo. E tentei aprender sua calma – infelizmente, nesta disciplina, eu reprovei feio, por inúmeras vezes. Desisti.
Nossa convivência diária seguiu até 2003, quando ele deixou o jornal para outros projetos. Mas seguimos amigos. Na Copa de 2006, ainda na ressaca do adeus ao Massimo Manzolillo, eu estava na casa dele quando Thierry Henry mandou a seleção brasileira para casa. Obviamente, partimos para esquecer a traumática eliminação na Alemanha ao som de muita música boa e papos com amigos queridos, como o casal Marco Tulio Tuim Ortiga e Elízia Rezende.
Paulinho também teve papel importante na vida de Tuim. Foi dele a ideia de abrir o bar na Quituart. Não só isso, como contava no velório. Pestana também batizou de Butiquim do Tuim, pois “bar que se preza tem de ter o nome do dono”. Mas, na verdade, não era bem este nome que Pestana queria. “Ele dizia que teria de se chamar Butiquim O Tuim, mas isso não dava”, contava, na Capela 1 do Campo da Esperança, onde Paulinho foi velado. Não dava implica que, agora, em homenagem ao grande amigo, talvez venha aí o Butiquim O Tuim.
Além de nós, a turma mais humilde, outras pessoas sentirão sua falta. Não falo da Zelinda e dos filhos Rafael, que chegou da Alemanha, e Pedro, que consolava a todos, inclusive este que escreve, nos incentivando a falar o que sentíamos, a desabafar a saudade, a gratidão e o amor que ele sempre teve de todos. Por ali passaram parceiros mais famosos e antigos, como o Weligton Moraes, o Heraldo Pereira, o Luis Augusto Mendonça, o Luís Natal, o Lourenço Peixoto, o Eduardo Brito, o Sérgio Flores, o Paulo Gusmão, o Hélio Doyle… Passaram também amigas da imprensa, como Ana Dubeux, editora-chefe do Correio Braziliense, a colunista Denise Rothenburg, Lúcia Leal e Lilian Tahan e Priscila Borges, do Metrópoles. Foram muitas e muitos. Todas e todos admiradores de sua classe na pena, sempre afiada, humorada e amiga do leitor.
Também passaram seus amigos da política, como Paulo Octávio e o governador Ibaneis Rocha, que deu um belíssimo depoimento sobre Paulinho.
“Eu perco um amigo muito grande, um amigo de muitas décadas. Nós começamos nas campanhas de OAB juntos, ele ali nos auxiliando nos jornais, na questão da imprensa, das campanhas como um todo. Depois tivemos o prazer de conviver durante 2017 e 2018 na campanha, e o Paulinho sempre com uma inteligência muito grande.
Na campanha de 2022, me auxiliou em todos os debates e em todos os encontros com a preparação. Ele se tornou uma pessoa de dentro da minha casa, da minha família, e eu acho que da família de muitos brasilienses. Ele foi um exemplo como jornalista, um exemplo como publicitário, um exemplo para Brasília, e vocês, que são da classe, sabem a importância de uma pessoa tão sincera como ele. Ele foi reconhecido pela sinceridade, pela amizade, pelo carinho, pelo trato com todos os jornalistas. Ele fazia isso com muito carinho, com muito amor pela profissão. E a gente perde muito. Eu acho que Brasília perde demais com isso”.
O governador tem integral razão. Na campanha de 2022, Paulinho estava em todos os debates. Sei porque estava lá também e presenciei como ele encarava seu trabalho com seriedade, mas sempre pronto para um papo descontraído com seus amigos – grupo no qual me incluo, orgulhosamente.
Paulinho nos deixou na madrugada desta segunda-feira (11). Na terça-feira passada (5), encontrei-o no Brasília Shopping, lugar que ele almoçava muitas vezes, quase sempre ao lado do secretário de Comunicação e seu grande amigo, Weligton Moraes, e do pessoal da pasta, como a Dani e a Lúcia. Estava alegre e cheio de vida. Na quinta (7), sentiu-se febril. No domingo (10), o mal-estar aumentou e as dores nas pernas ficaram insuportáveis. Seu filho Pedro o levou para um hospital, mas não houve tempo para salvar sua vida.
Chico Anysio dizia que a morte no plano físico não dava medo, mas pena. Ao ver Paulinho se juntar ao Massimo no céu, entendo a declaração do velho multiartista da Rede Globo. Mas tenho pena de nós, que aqui ficamos, por estarmos privados das tiradas engraçadas, dos chopes, do papo intelectualizado e/ou popular que o ecletismo cultural do Paulinho nos permitia.
Não sou chegado a porres, mas, assim que puder, estarei no Butiquim O Tuim (vai pegar…) para homenagear o meu saudoso amigo Paulinho Pestana. Por hora, Pestana, até breve. Que Deus cuide de você, pois a galera aqui embaixo, o Rafa e o Pedro vão ficar de olho na Zelinda. Nos vemos qualquer dia destes, camarada!